Parafusos e fios, placas bordadas com solda, um
pouco de eletricidade para que tudo se interligue. Ali estava a arma
perfeita, a arma que deveria transformar a humanidade em uma máquina
perfeita. Aquela camada de pele era falsa, artificialmente quente; os
cabelos não eram dela, os olhos não passavam de câmeras sem zoom,
no decorrer do corpo placas formando um sistema perfeito – tão
perfeito que enganara até mesmo seu criador.
Por todo aquele complexo sistema, sentimentos
falsos corriam. Sentimentos que alguém calculou para que
transbordassem durante a tomada de decisões – talvez isto seja a
grande falha de toda aquela criação.
Os movimentos eram graciosamente calculados, a
respiração era o mais perfeito mecanismo de resfriamento interno e
os excrementos uma miragem que eliminava qualquer objeto
desnecessário para o funcionamento daquele corpo. Levar algo aos
lábios era uma tentativa frustrada de enganar os circuitos, de
fingir que era algo que nunca seria.
Mergulhar o dedo na fina camada de sangue era
agradável, com cheiro forte, escorregadio, ainda quente. Levar o
dedo coberto por sangue até sua língua falsa era único, não sabia
se era o gosto era ruim como seus sistemas alertavam, se realmente
não gostaria de beber mais daquela iguaria. Já não confiava tanto
em si.
Daquele rosto fino que cobria os circuitos
faciais, um sorriso de escárnio escorregou até o corpo
morto. Aprendera quando teve entrar em ação, o que era aquela
sensação maravilhosa de sentir escárnio, aquele menosprezo,
desdém. Seu banco de dados estava recheado daquilo enquanto
observava o corpo mal acomodado no chão que tanto lhe instigava a
memória.
Imaginava que se fosse um ser humano, estaria
agora derramando lágrimas de luto. Contudo agora isso já tinha sido
controlado, ou melhor, deletado de seu banco de dados.
O sorriso sumiu e os olhos correram por todo o
corpo masculino que estava caído, morto, inerte, sem ação, inútil.
O olho direito serrou-se um pouco, assim como se estivesse com raiva,
mas não estava, não podia estar. Alguns segundos depois estava com
o corpo erguido, a perna direita correndo para trás e com toda a
força, que lembrava ter, desferindo um golpe certeiro contra o corpo
que jazia no chão.
Aquele que agora era apenas um morto, um dia já
lhe tinha sido um amigo.
Naquele momento, seus fios e ligações foram
rompidos, sua placa-mãe partira-se em duas, seu sangue correu
queimando suas veias. O ar irritou seu pulmão, suas lágrimas
escorreram, um grito de raiva vazou por seus dentes cerrados. O único
conforto que lhe restou, fora a dor de golpear o corpo inerte.
Naquele vazio esquisito, onde nunca teve um
coração, algo bateu dolorosamente forte. Fazendo-a sentir aquele
turbilhão de coisas que ninguém conseguia explicar com precisão.
Caindo de joelhos, chorando copiosamente,
sentiu-se humana, imperfeita.
Pois até a arma mais perfeita, fica imperfeita
quando feita para ser humana.
“Pane no sistema alguém me desconfigurou […]
[…] Eu sempre achei que era vivo.”
[…] Eu sempre achei que era vivo.”
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