Elisabete é o tipo de mulher que todos queriam
ficar perto. Não que ela fosse a melhor pessoa para se conversar ou
escutar, mas pelo seu perfume e modo de viver. Ela conseguia usar a
fragrância perfeita para lhe convencer a ficar por perto. A roupa
perfeita para demonstrar confiança, elegância, conforto e
simplicidade. O tom de voz perfeito para lhe convencer de que tudo o
que diz é a verdade.
Em ponta porosa não seria diferente. E ante tal constatação, Joana resmungava sobre o parapeito da janela de casa. Elisabete tinha passado por lá há poucos minutos em frente a janela de sua casa e agora conversava com Dona Rogéria dos quitutes.
- Essas dondocas da cidade. - Remoeu a senhorinha fofoqueira.
- Ô Raimundinha, esta mulé que chegou da cidade!
- A senhorinha virou para a filha com o rosto se contorcendo pelo
asco que sentia. - Veja se pode, nem botou os olhos no padre e já tá
dando em cima dele!
A mais nova empalideceu.
- Mas mãe, ninguém falou pra ela sobre a mula?
- Eu tentei, mas ela veio toda orgulhosa dizer que
é mentira! - E resmungou algo como “essas mulheres da cidade...”
- Deus a livre! - Raimundinha sussurrou.
- Ele vai é condenar ela! Veja se pode, tentar
seduzir o instrumento de Deus pai todo poderoso?
Elisabete parecia disposta demais, enquanto conversava com a dona dos quitutes. Elas conversavam sobre formas de facilitar na hora de cozinhar, mesmo que não tivesse a ajuda da tecnologia. Obviamente, a moradora local acreditava que o uso de muita tecnologia quebrava o sabor da comida; enquanto Elisabete rebatia dizendo que um bom cozinheiro, não se deixava abater por aquela bobeira.
Foi vendo aquela conversa sadia, algo que matias
não via há muito tempo, que o capacho da dondoca se encaminhou para
a casa de Joana. Ele ficou ali, do lado de fora da casa, apreciando o
sol escaldante e bebericando a água que a mulher tinha lhe ofertado.
Enquanto isto, do lado de dentro, ela e a filha Raimundinha
tricotaram suas opiniões sobre a visitante.
- É uma mulher bonita, apesar de tudo. - Raimundinha soltou em meio a conversa.
Ali, da janela de casa, conseguia ver uma ou outra coisa de Elisabete.
- Muito bela. - Matias concordou. - As pessoas
acham que ela é má pessoa, mas só é estressada e um pouco
convencida. Mas sempre está elegante e perfumada.
- Deve ser uma mulher de bem com a vida. - A mais
nova soltou.
- Viste o jeito que ela chegou gritando? - Ralhou
Joana.
- Estava vindo da avozinha, mamãe.
- Pois ameaçava Matias! - Ela sussurrou. - Estou
de mentira? - Perguntou ao visitante.
- Era uma expressão. Elisabete é muito feliz com
a vida, mas não com os seres humanos. Depois de um tempo, você a
entende e se acostuma.
- Eu acho que ela deveria controlar as palavras dela. - Resmungou a dona de casa.
- Mas ela é uma mulher incrível. Sabe como ficar
formal e elegante, e ainda assim demonstrar que está confortável.
Sabe como falar, qual perfume usar. Ela sempre está perfeita. -
Explicou o visitante.
E era verdade, como já dito antes. Raimundinha
colou o corpo na janela e olhou para a casa dos quitutes. Por ali,
ela podia ver Elisabete rindo de algo e prendendo o cabelo em um
coque frouxo e, para manter o cabelo firme, usou uma caneta que
Rogéria estendia.
Raimundinha sentiu inveja do que estava vendo, da
beleza de Elisabete e toda a sofisticação que cada movimento
carregava. A menina quis ser como a dondoca. Com o dinheiro que a
dondoca tinha e a segurança que demonstrava possuir – e que
parecia ter encantado o senhor Matias.
- Quando eu for mais velha, quero ser igual a ela.
- Suspirou à janela, a mais nova do trio.
Joana arregalou os olhos e encarou a menina.
Nunca, em toda a sua vida, poderia se preparar para aquela revelação.
Não! Definitivamente, não! Não queria ver sua filhinha com os
traços daquela mulher horripilante que conheceu. Também não queria
que sua amada menina fosse para uma cidade grande e moderna que
ficava longe de tudo e de todos.
Acima de tudo, não queria que ela sofresse pelo sotaque que carrega. A vida era triste e difícil. Complexa.
Mas, ao contrário do que imaginaram, a senhorinha
fofoqueira não explodiu. Não saiu gritando ou batendo na menina.
Não, nada disto aconteceu. Joana, apenas, suspirou. Suspirou e,
depois de pensar, soltou:
- Minha menina, nem tudo o que é belo se é para
copiar. - Acariciou o cabelo da filha. - As vezes, as coisas ruins se
escondem na beleza.
Uma mulher sábia. Pensou Matias. Sábia, pois
sabia reconhecer algo tão simples como aquilo. E muito mais sábia
por saber repassar o conhecimento.
Já Elisabete, estava aprendendo que fazer uma
bela massa de quitute levava tempo e exigia concentração. Mas,
muito mais do que toda a sabedoria sobre lanches perfeitos, Rogéria
conquistou Elisabete assim que enfiou a colher pau na cachola da
visitante.
- O deu em você? - Berrou Elisabete.
- Nunca entre em minha casa e mexa nos meus
lanches! - Bradou a senhorinha mirrada e de enrugada como uma uva
passa. - Vocês jovens acham que podem enfiar a mão onde bem
quiserem!
- E precisava me bater?!
- Escute aqui mocinha! - A orelha de Elisabete fora agarrada com velocidade e precisão. Nem parecia que mulher era, muitos centímetros, menor do que a visitante. - Padre Pedro pediu que eu lhe desse uns lanches para mais tarde, mas tu vai trabalhar! O esforço é amigo do sucesso!
E então, arrastou a mais alta para a cozinha, colocou-a de frente a uma janela e mostrou o que queria que ela fizesse.
Para Elisabete, foi algo materno. Algo que sua mãe
fazia quando era criança e que ela sentia muita falta. Infelizmente,
não é o assunto desta história e fica ao leitor o direito de criar
o passado da mulher.
- Não desgrude de Matias. - Avisou dona Rogéria. - A noite fica difícile se achar por ali. E se você encontrar uma cobra, ele vai te defender.
- Cobras?
- Tranquilize-se mocinha – Sorriu a dona da casa – morar no mato tem suas desvantagens. Cobas e aranhas são coisas pequenas que temos que conviver e, como Matias é daqui, sabe se defender.
Elisabete ainda sentia-se tensa pela possibilidade
de encontrar uma cobra ou algum outro bicho perigoso. Tensa e ansiosa
ao mesmo tempo. Queria ver Matias se tornando um homem corajoso,
valente. Mas, então, enquanto tentava esconder a tensão que tinha
mergulhado, a visitante escutou o calmante ser ejetado de Rogéria.
Ela massageava a massa de uma torta que estava
preparando, quando comentou casualmente:
- O padre Pedro, vira e mexe, vai no rio dar uma
refrescada. Ele sempre vai pela boca da noite.
Continua...
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