Como podia, pensou Elisabete, uma cidade quente como a chapa de um cozinheiro, ter uma igreja tão fresca quanto aquela? Estava mergulhada neste prazer ínfimo ao ponto de não perceber a conversa que tio e sobrinho cultivavam. Ainda com os óculos escuros, ela invadiu a saleta do padre, sendo impulsionada pelo convite silencioso, que braço estendido do santo homem lhe ofertava.
Retirou os óculos. O ventilador de teto deixava o ambiente arejado e fresco, e o sol o aquecia com amenidade.
- Aceitam algo para beber? - o anfitrião questionou logo depois que os visitantes se acomodaram no sofá gasto.
- Algo gelado, por gentileza. - Elisabete solicitou.
- Um vinho? - o pároco questionou ao servir duas taças com um vinho que ficava sobre um aparador.
- Se não for um transtorno. - Matias sorriu ao sobrinho.
Era um apreciador de vinhos e nunca, por pior que fosse a qualidade da bebida, a recusaria. Vinho. O capacho de Elisabete era um tremendo de um viciado em vinho e não um apreciador. Tinha seu dizimo separado para a igreja e para o vinho. Não viveria sem aquela iguaria e queria que, um dia, se tornasse tão comum e liberado quanto uma simples garrafa de água.
- Nada de álcool para mim. - A mulher anunciou.
O pároco, que terminava de servir uma taça, olhou para a visitante. Os olhos seduzindo-a a aceitar a bebida fresca.
Elisabete, por sua vez, não fora atingida pela sedução silenciosa. A mulher sustentou o olhar. Carregou-o por alguns minutos, provando que não se resignaria a reter seus desejos pelo simples fato dele ser um homem casado com a igreja. Pelo contrário, decidiu entrar no jogo e atacar sua presa com palavras claras e diretas:
- Eu poderia lhe atacar sem nem ter sentido o cheiro da bebida. Imagina se o álcool começar a correr por minhas veias.
Era um blefe.
Uma desculpa para não beber.
Matias agradeceu a taça que recebeu e quase deixou o riso escapar. Elisabete, que agradeceu a água que tinham lhe servido, era capaz de deixar o vinho embriago de tão resistente que era. Mesmo se a mulher bebesse durante o dia inteiro, não aparentara estar bêbada.
Mas, então por qual motivo ela recusava a bebida?
O vinho desceu acariciando a garganta dos homens. O frescor do ambiente amenizava a vermelhidão dos rostos visitantes e acalmava a mulher que tanto despreza o calor.
- Há quanto tempo o senhor é padre? - Elisabete questionou. O veneno escorregando sob a curiosidade.
- Alguns anos.
- E sempre neste fim de mundo?
O anfitrião riu. Um riso suave que ele deveria ofertar para as crianças, quando elas queriam saber de algo que estava acima dos entendimentos dela.
A mulher o instigava.
Ele queria saber até onde ela realmente conseguia ir em sua ousadia e o que planejava fazer. O pároco correu os olhos para o tio, constatando que ele estava perdidamente satisfeito com o sabor do vinho e completamente alheio aos outros dois.
- Estou aqui por desejo. - Retrucou o homem santo.
Elisabete rolou os olhos. Ele é um homem mentalmente forte, pensou.
- Tudo bem. - A mulher se levantou. - E o que uma mulher da cidade grande poderia fazer para matar o tempo em uma cidade que nada funciona?
- Aceita mais água?
Ele esquivou-se da pergunta. Escorreu para o bom acolhimento e tentou afastar-se dela.
- Por gentileza. - Elisabete sorriu.
Matias não conseguiu deixar de sorrir também, sorrir um pouco mais do que já sorria. Sua queria patroa sabia como circundar uma vítima e encurralá-la sem gastar muitas energias. Era claro, para Matias, que seu sobrinho estava caminhando para um beco. Ele só não sabia se devia intervir.
- E gelada. - Adicionou a mulher. - A que me deu estava quente. - Mentiu.
Estava nos planos da visitante, ver o anfitrião mudar a direção dos passos. Vê-lo sair do aparador que carregava o vinho e uma jarra de água, para a caminhar até a cozinha coberta com uma, cafona, cortina de miçangas.
- Posso me servir de mais vinho? - Matias questionou ao sobrinho.
- Fique à vontade.
Elisabete seguiu o padre. Caminhou atrás dele até a cozinha e voltou a rondá-lo:
- O que tem de bom para fazer nesta cidade?
- Muitas coisas. - Ele ergueu a cabeça de dentro da geladeira e esticou o copo com água. - Mas precisa gostar da natureza.
A mulher agradeceu pela água ofertada. Era refrescante, adocicada e bem-vinda. A temperatura do líquido brigava com a do ambiente e a marca dos dedos ficavam em evidências. Ela bebeu o líquido com os olhos ardendo contra o pároco. Precisava dar um golpe. Um ataque certeiro, que ele não poderia escapar e nem desejaria escapar.
- Vamos ao rio, hoje a tarde.
Matias surgiu como um anjo da guarda. Ele estava na soleira da porta, banhado pelas miçangas cafonas e com as bochechas avermelhadas pelo prazer de ter bebido vinho.
- A água estará mais quente e as pessoas indo jantar. - Concluiu o capacho de Elisabete.
- É um bom lugar para fazer um lanche a céu aberto. - O pároco adicionou. - E eu sei quem poderá lhes fazer um maravilhoso lanche.
Ah era, pensou Elisabete. O rio seria um ótimo lugar que ela poderia ter um ótimo lanche.
Continua...
Continua...
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